‘Objetivo do governo e dos empresários é desregulamentar o direito
do trabalho no Brasil’
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ESCRITO POR VALÉRIA NADER E GABRIEL BRITO, DA REDAÇÃO DO CORREIO DA CIDADANIA |
SEXTA, 21 DE DEZEMBRO DE 2012 |
Ao
contrário dos tempos iniciais de crise econômica internacional, o Brasil já não
trata mais a atual conjuntura como mera “marola” e se conforma em se esforçar
para manter modestos índices de crescimento. Nesse sentido, o governo tomou
diversas medidas de incentivo ao investimento empresarial, especialmente através
da desoneração da folha de pagamento em cerca de 40 setores, medida que Guido
Mantega considera “liberar geral” a partir de 2013.
Para tratar do assunto através da perspectiva da classe trabalhadora, que não tem garantida estabilidade alguma, o Correio da Cidadania entrevistou o advogado e assessor sindical Jorge Luís Martins, para quem a atual onda de desregulamentação trabalhista é puxada pela China e sua obsessão pelos índices de produtividade de que tanto necessita.
Além
disso, Jorginho, como é conhecido o ex-membro da CUT, explica que o empresariado
conta com todo o apoio do governo no sentido de retirar direitos e baratear
custos. Basta conferir os projetos que o Planalto pretende levar adiante através
de leis mais duras em relação ao direito de greve, às negociações trabalhistas e
à regulamentação oficial das terceirizações, inclusive de atividades-fim da
empresa.
“O que se pretende de fato com a anunciada regulamentação é acabar com o direito de greve. Governo e empresários pretendem criar tantos empecilhos e cláusulas proibitivas para se fazer uma greve que, na prática, acabam com o direito, a exemplo do último anúncio de greve dos metroviários de São Paulo”.
No geral, Jorginho traça um quadro
negativo para a classe trabalhadora, desde sua instância mais organizada, os
sindicatos, que estabeleceram uma “paz de cemitérios”, aos trabalhadores mais
precarizados, ainda contumazes vítimas de trabalho escravo, para ele tratado
pelo governo com muito pouco rigor. Além disso, o mesmo tenderá a se refletir na
previdência, sempre desviada de sua finalidade e utilizada pelos distintos
governos como “caixa comum”.
A entrevista completa pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Ao longo do ano, foi
tomada uma série de medidas, pouco ecoadas e debatidas, em torno aos direitos
sociais e trabalhistas. Nos últimos meses voltaram a circular notícias
específicas ligadas ao mundo do trabalho. Como tem enxergado, no geral, o campo
do trabalho, os direitos sociais e as discussões em torno da legislação
trabalhista neste ano, sob o governo Dilma?
Naquele país, vigora uma brutal desregulamentação das condições de trabalho, que torna a mão de obra algo impressionantemente precária, haja vista os sucessivos acidentes nas minas de carvão e as denúncias de trabalho infantil e utilização de trabalho de presos.
Correio da Cidadania: Algo marcante
em 2012 neste campo foi a desoneração da folha de pagamentos em 20% para até 40
setores da economia nacional, sob alegação de combate à crise internacional e
manutenção dos índices de atividade econômica do país dentro das metas oficiais.
Qual é, a seu ver, o impacto social desta medida?
Jorge Luís Martins: Evidentemente que a crise internacional é um ingrediente a mais no debate, mas é importante ressaltar que o empresariado brasileiro já usa e abusa da “teoria” do “custo Brasil”, com a qual tenta atribuir os custos da produção no Brasil aos direitos, mínimos, expressos na CLT e a outros adquiridos na Reforma Constitucional de 1988. Porém, o problema é muito mais relativo ao atraso tecnológico do país, bem como ao débil sistema de ensino público. Além do mais, os empresários partem da falsa premissa de que pagam elevadas taxas de impostos, o que na verdade não se sustenta em relação aos países desenvolvidos. Assim, o governo, ao desonerar os empresários de pagamento de impostos, na realidade joga ainda mais precariedade nos serviços públicos e nas obrigações do Estado, com a diminuição dos investimentos, em especial nas áreas de educação e saúde.
Jorge Luís Martins: Este
debate não é novo, pois desde o governo de FHC, e depois o de Lula, se buscou
construir um acordo para uma Reforma Sindical e Trabalhista. Com o argumento da
necessidade de alterar a CLT, colocaram-se a lógica e concepção de “liberdade de
negociação”, ou seja, o que for negociado prevalecerá sobre a Constituição. Se
aprovado este modelo, será a barbárie sobre os poucos direitos conquistados,
pois o patronato não hesitará em chantagear os trabalhadores para acabar com o
direito de férias, 13º, FGTS, dentre outros, com um simples argumento: “ou
reduzo meu custo cortando direitos através de um acordo especial, ou terei que
demitir”. Importante ressaltar que, neste caso, o fato é ainda mais grave, pois,
se um sindicato se recusar a assinar, poderá a Federação, Confederação ou ainda
uma Comissão de Trabalhadores, em última instância, fazer o malfadado
acordo.
Correio da Cidadania: Está ainda em discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados projeto que regulamenta a terceirização no Brasil em todos os tipos de atividades dentro de uma empresa, não só naquelas acessórias, como limpeza e segurança, mas também as próprias atividades-fim (hoje, terceirização de atividades-fim não é permitida pela lei). Neste caso, o que pode resultar, a seu ver?
Jorge Luís Martins: Ao
contrário da alegação dos empresários, o trabalho no Brasil já é demasiadamente
desregulamentado, haja vista que mais de 40% da mão de obra não tem registro em
carteira, para não falar de trabalho informal, infantil e escravo, que ainda
existem até hoje. Assim, a terceirização de atividades “fim” será mais um golpe
no sentido de driblar a legislação, transferindo a produção para empresas
terceirizadas, que em geral desrespeitam as normas de jornada de trabalho,
segurança e medicina, ou seja, condições básicas. Tudo isto para baratear os
custos da produção e manter a lucratividade e a competitividade das
empresas.
Correio da Cidadania: Algo que
também está no ar é a nova proposta de Dilma para a Lei de Greve do Setor
Público, antes que fosse regulamentada a Convenção 151 da OIT que regulamenta as
negociações coletivas. Como está esta discussão e qual a sua
opinião?
Jorge Luís Martins: A Constituição Federal de 1988 garantiu aos servidores o direito à organização sindical, mas ao mesmo tempo não regulamentou o direito à negociação. Assim, os servidores ficam à mercê dos governos (federal, estadual ou municipal) de plantão, que não cumprem acordos e não garantem anualmente sequer as correções salariais necessárias para repor as perdas - a exemplo dos tempos de FHC, quando os servidores passaram oito anos com 0% de reajuste e permanecem em sua ampla maioria sem um plano de carreira decente. Correio da Cidadania: Esse projeto do governo guarda relação com a recente greve dos servidores federais, a maior dos últimos 10 anos e que teve alta resistência oficial às negociações?
Jorge Luís Martins: Os
trabalhadores brasileiros estão prestes a sofrer uma derrota histórica, ou seja,
a regulamentação (ou fim, na prática) do direito de greve dos servidores e ainda
a noticiada regulamentação de greve dos chamados “setores essenciais”. O que se
pretende de fato com a anunciada regulamentação é acabar com o direito de greve.
Governo e empresários pretendem criar tantos empecilhos e cláusulas proibitivas
para se fazer uma greve que, na prática, acabam com o direito. Um exemplo é o
último anúncio de greve dos metroviários de São Paulo, em que a Justiça, em
liminar, antes mesmo do início do movimento, determinou que 90% dos funcionários
do metrô deveriam trabalhar, sob pena de multas diárias de alguns milhares de
reais.
Correio da Cidadania: O que pensa a respeito da sofreguidão com que avança a PEC 438, que visa combater e eliminar o trabalho escravo, ainda em franca e subestimada vigência?
Jorge Luís Martins: O
trabalho escravo no Brasil, embora seja considerado crime, na prática não leva
nenhum empresário para a prisão, da mesma forma que o trabalho infantil. Um
câncer de um modelo de desenvolvimento que não tem nenhuma preocupação pela
dignidade humana. Assim, enquanto não se impuser uma legislação para expropriar
as terras e empresas que utilizam o trabalho escravo, nenhuma lei por si só será
cumprida, pois a tradição demonstra que o capitalismo selvagem só se movimenta
na medida em que decisões, políticas e jurídicas, afetem seu patrimônio.
Ao que tudo indica, no entanto, os
governantes e o Poder Judiciário ainda fazem vista grossa e acreditam ser
possível alterar esta situação de calamidade com conversa fiada - ou seja,
somente através da criação de factóides, a cada descoberta de trabalho escravo,
que são esquecidos na semana seguinte, com novos fatos e escândalos de toda
ordem.
Correio da Cidadania: Agora, ao final do ano, existe a perspectiva de fim do fator previdenciário. O que pensa de seu eventual fim? Jorge Luís Martins: Na realidade, o fator previdenciário, com a alteração da concepção da garantia por tempo de serviço para tempo de contribuição, foi introduzido por FHC e mantido por Lula e Dilma desavergonhadamente. Os sucessivos governos fizeram dos fundos da previdência pública um “caixa comum”, possibilitando aos governos utilizarem o dinheiro das previdências em qualquer área, através da DRU (Desvinculação das Receitas da União). Com este mecanismo, a União vale-se de manobra anômala para minguar a afetação dos recursos públicos e obter a livre alocação de receitas à revelia dos preceitos constitucionais. Correio da Cidadania: Como analisa a atual situação e também atuação dos órgãos públicos ligados à proteção do mundo do trabalho, começando pelo próprio Ministério do Trabalho e Emprego? Correio da Cidadania: O que dizer do atual nível de auto-organização e atuação política do mundo do trabalho? Quais as perspectivas que se colocam para o avanço da consciência de classe e uma maior conexão das lutas entre os vários trabalhadores? Da mesma forma, a CUT não mais questiona o poder normativo da Justiça do Trabalho, que a cada dia amplia suas decisões de liminares e interditos proibitórios, com pesadas multas contra as entidades sindicais. E ainda deixou de lutar pela liberdade de organização sindical. A ampla maioria dos sindicatos hoje é de meros carimbadores, garantidos graças ao monopólio de representação. Assim, estabeleceu-se ao longo dessas últimas duas décadas um pacto de “paz dos cemitérios”. Embora os trabalhadores continuem a ter sua situação econômica e suas condições de trabalho mais precarizadas, cada uma das centrais “cuida de seu pedaço” e ninguém briga com ninguém.
Correio da Cidadania: Faria alguma
diferenciação entre as posturas de Dilma e Lula no que se refere aos temas aqui
tratados?
Jorge Luís Martins: Lula
prestou um grande desserviço aos trabalhadores ao declarar que “dias em greve
deveriam ser descontados”, isso sem levar em conta a razão pela qual os
trabalhadores estão em greve. E ainda alimentou as bases da desregulamentação do
mercado de trabalho. Por outro lado, Dilma tem sido mais sofisticada: depois de
defender a substituição de trabalhadores federais em greve por outros servidores
do Estado, descontou os dias de greve, mas forçou acordos para devolução dos
descontos, com o retorno dos mesmos ao trabalho. Assim, cumpre os pressupostos
do chefe e aprimora no “bate e assopra”. Aos poucos, vai minando o direito de
greve e introduzindo novos mecanismos de pressão e chantagem contra a classe
trabalhadora.
Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania. |
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