terça-feira, 10 de setembro de 2013

Fábrica de doenças e lucro . . .

Reproduzo abaixo entrevista que concedida ao Brasil de Fato em nome da APLER em 09/09/2013. 

Associação de Lesionados aponta que 23% da mão de obra dos frigoríficos paranaenses está afastada por lesões decorrentes de esforço repetitivo
Pedro Carrano 
de Curitiba (PR)

Informações apontam que o número de acidentes de trabalho, entre os anos de 2006 e 2008, cresceu 52% no Paraná mais do que a média nacional, que foi de 46%. Nesse período, passou de 37.574 para 57.057. Uma das causas é uma mudança no sistema de apuração dos dados, que passou a levar em conta outros acidentes além dos notificados pelas empresas. O Paraná também vem crescendo em acidentes desde 2001, quando atingiu 23.231 acidentes.
Um dos ramos com forte participação nos acidentes e também lesões permanentes no ambiente de trabalho é o frigorífico, com grande presença de transnacionais do ramo alimentício no Sudoeste e Oeste do Paraná. Resultado da incidência de lesões entre trabalhadores, surge a Associação dos Portadores por Esforços Repetitivos (AP-Ler), que hoje apresenta 500 associados apenas na cidade de Toledo, Oeste do estado.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Laerson Matias, coordenador da associação, diz que a procura dos trabalhadores se deve ao não reconhecimento por parte da empresa do vínculo entre doença e trabalho.
Brasil de Fato – A AP-Ler enfrenta muitos casos de mutilações e acidentes do trabalho?
Laerson Matias – Nós organizamos a luta das pessoas vitimadas pelo trabalho desde 1997. A maioria dos nossos associados sofre por conta das doenças causadas pelo trabalho, sendo um número reduzido de acidentes típicos e de trajeto. Dentre estas, o sofrimento mental tem sido a patologia que mais tem aumentado nos últimos anos. Porém, a maior parte ainda se refere às lesões por esforços repetitivos nos membros superiores, coluna cervical e lombar. Isso se refere principalmente às atividades de frigoríficos que, no Oeste do Paraná, empregam muitos trabalhadores.
E como se dá o enfrentamento desses problemas?
É necessário entender os acidentes e mutilações como um problema do próprio capitalismo. Atendemos trabalhadores lesionados de várias inserções laborais e, embora muitos peritos médicos digam a eles que não encontram nexo entre o trabalho e a doença, eles sabem muito bem que antes de trabalhar nada sofriam e que somente após a experiência do emprego adoecem. Então esse é também um dos desafios que temos enfrentado aqui na região, onde há uma alta ocorrência de agravos à saúde dos trabalhadores, sobretudo no setor que citamos. Porém tem um grande número de trabalhadores na economia informal, no ramo de confecções. São quarterizados, facções e trabalhadores avulsos, laborando em casa, fundo de quintais, ou mesmo nas dependências de indústrias sem direitos e condições mínimas de saúde e segurança no trabalho.
Como é a política das empresas nesses casos e a quem os trabalhadores costumam recorrer?
A maior dificuldade para o trabalhador é o reconhecimento desta enfermidade enquanto tal, pois somente assim pode se fazer um tratamento eficaz a este mal. E a postura da empresa é criminosa neste aspecto, pois organiza um Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) mais para proteger as finanças da empresa do que a saúde dos trabalhadores. Ao não diagnosticar precocemente estas doenças, não afastar estes operários das funções que o levaram a desenvolver estas patologias, acabam por torná-lo um doente crônico e com sequelas para o resto da vida. Isso sem contar que a subnotificação dos agravos à saúde dos trabalhadores no Brasil é um aspecto que deixa os acidentes de trabalho na invisibilidade social. Os trabalhadores têm buscado a AP-LER, já que a empresa não reconhece os agravos, a Previdência Social quase nunca reconhece os agravos e os sindicatos não têm também atuado de maneira clara na defesa dos interesses desses trabalhadores. Nesse sentido, eles buscam a Associação para que minimamente tenham os seus direitos básicos atendidos. Somente no município de Toledo temos cerca de 500 associados portadores de doenças do trabalho e alguns já estão até mesmo aposentados, trabalhadores que na sua maioria tiveram a dolorosa experiência de trabalho em frigorífico tornando-se hoje incapacitados até mesmo para atividades cotidianas.
A demanda de exportação da economia tem impacto na geração de mais acidentes de trabalho?
Certamente sim. Mas não se resume somente a isso. A demanda para exportação está, obviamente, relacionada à intensificação do trabalho. É preciso produzir mais, em menos tempo e com “qualidade total” para que os países confiem na carne produzida aqui. Com certeza essa demanda pode resultar no aumento dos acidentes de trabalho. Mas, penso que nossa reflexão tem de ser mais profunda olhando para o âmbito do próprio funcionamento da sociedade do capital. Ou seja, o capital precisa sempre buscar a via mais fácil para acumulação e por isso não importa se a saúde dos trabalhadores está sendo afetada. Isso não se resume somente ao contexto do aumento das exportações.
Poderia falar um pouco sobre os prejuízos que os frigoríficos têm causado aos trabalhadores?
O que vemos hoje nos frigoríficos é um trabalho intenso, com ritmos altamente repetitivos e que levam ao adoecimento físico e mental de inúmeros trabalhadores. A Federação dos  Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Paraná (FTIA-PR) estimou que quase 23% da mão de obra de frigoríficos encontrava-se no aguardo de decisões judiciais ou afastada do trabalho em virtude das doenças ocupacionais no ano de 2011. Investigações do Ministério Público do Trabalho (MPT), apontam para a mesma realidade e mostram que os movimentos repetitivos exercidos por trabalhadores desse setor ultrapassam até 100 ações técnicas por minuto. Isso equivale a três vezes mais o limite estipulado por estudos de ergonomia do trabalho, que propõe formular um limite mínimo de movimentos repetitivos para a manutenção de um padrão de saúde e segurança no trabalho. Esse número excessivo de movimentos repetitivos esbarra-se no próprio funcionamento biomecânico dos tendões do nosso corpo humano. Isso significa que o trabalho atinge os limites humanos. Essa situação mostra que há uma relação direta entre o surgimento de sintomas de doenças osteomusculares e o trabalho desempenhado. Tudo isso que ocorre no ambiente de trabalho, combinado com a pressão por  produção, que faz com que muitos trabalhem sob o efeito de remédios mesmo sentindo dores, leva também aos agravos relacionados à saúde mental. Não é à toa que nos dados do Ministério da Previdência Social (MPS) a prevalência de quadros depressivos no setor de abate de aves e suínos é três vezes maior do que o índice geral.

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